sábado, 30 de outubro de 2010

Amor e Loucura

Contam que uma vez se reuniram todos os sentimentos e qualidades
dos homens em um lugar da terra. Quando o aborrecimento havia reclamado pela terceira vez, a loucura, como sempre muito louca, propôs:
- Vamos brincar de esconde-esconde?
A intriga levantou a sobrancelha intrigada e a curiosidade
sem poder conter-se perguntou:
- Esconde-esconde? Como é isso?
- É um jogo, explicou a loucura
, em que eu fecho os olhos e começo a contar de um a um milhão enquanto vocês se escondem, e quando eu tiver terminado de contar, o primeiro de vocês que eu encontrar ocupará o meu lugar para continuar o jogo.
O entusiasmo dançou seguido pela euforia. A alegria deu tantos
saltos que acabou por convencer a dúvida e até mesmo a apatia,
que nunca se interessava por nada.
Mas nem todos quiseram participar: a verdade preferiu não esconder-se.
"Para que se no final todos me encontram?"- pensou. A soberba opinou que era um jogo muito tonto (no fundo o que a incomodava era que a idéia não
tivesse sido dela ) e a covardia preferiu não se arriscar.
- Um, dois, três, quatro, ... - Começou a contar a loucura.
A primeira a esconder-se foi a pressa que caiu atrás da primeira pedra no caminho. A subiu ao céu e a inveja se escondeu atrás da sombra do triunfo que, com seu próprio esforço, tinha conseguido subir na copa da árvore mais alta. A generosidade quase não conseguiu esconder-se, pois cada local que encontrava parecia perfeito para algum de seus amigos: se era um lago cristalino, ideal para a beleza; se era a copa de uma árvore, perfeito para a timidez; se era o vôo de uma borboleta, o melhor para volúpia; se era uma rajada de vento, magnífico para a liberdade.
E assim acabou escondendo-se num raio de sol. O egóismo, ao contrário,
encontrou um local muito bom desde o início. Ventilado, cômodo, mas apenas
para ele. A mentira escondeu-se no fundo do oceano (mentira! ela se
escondeu mesmo foi atrás do arco-íris) e a paixão e o desejo, no centro dos vulcões. O esquecimento... não me recordo onde se escondeu, mas isso não é o mais importante...
Quando a loucura já estava lá pelos 999.999, o amor ainda não
havia encontrado um local para esconder-se pois todos já estavam ocupados, até que encontrou uma rosa e, carinhosamente, decidiu esconder-se entre suas pétalas.
- Um milhão! - terminou de contar a loucura e começou a busca.
A primeira a aparecer foi a pressa, apenas a três passos da pedra.
Depois, escutou-se a discutindo zoologia com Deus no céu.
Sentiu-se vibrar a paixão e o desejo nos vulcões. Em um descuido, encontrou a inveja e claro, pode-se deduzir onde estava o triunfo.
O egoísmo, não teve nem que procurá-lo. Ele sozinho saiu de seu esconderijo, que na verdade era um ninho de vespas.
De tanto caminhar, a loucura sentiu sede e ao se aproximar de um lago,
descobriu a beleza. A dúvida foi mais fácil ainda, pois estava sentada em uma cerca sem saber de que lado esconder-se...
E assim foi encontrando todos: o talento entre as ervas frescas,
a angústia numa cova escura, a mentira atrás do arco-íris
(mentira! na verdade estava no fundo do oceano) e até o esquecimento,
a quem já havia esquecido que estava brincando de esconde-esconde.
Apenas o amor não aparecia em nenhum local...
A loucura procurou em baixo de cada rocha do planeta,
atrás de cada árvore, em cima de cada montanha...
Quando estava a ponto de dar-se por vencida, encontrou um roseiral.
Pegou uma forquilha e começou a remover os ramos, quando, no mesmo instante, escutou um grito de dor. Os espinhos haviam ferido o amor nos olhos. A loucura não sabia o
que fazer para desculpar-se. Chorou, rezou, implorou, pediu desculpas e perdão e prometeu ser seu guia eternamente...
Desde então, desde que pela primeira vez se brincou de esconde-esconde na Terra:
O amor é cego e a loucura sempre o acompanha.

Flor Vermelha

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